19.11.10

o marquitos e a lolita

(Desculpem a falta de posts, mas Novembro é uma merda de mês para mim, desde de pequenina e a entrega de trabalhos em plasticina me stressava)

Excerto do meu diário, 19 de Abril de 2009
Depois de Histologia, apanhei o comboio e um senhor de cabelo branco e óculos grossos pensou que me conhecia. Sentou-se ao meu lado, viu que eu estava a ler.
-Tão bonito que é ler. Já houve livros que me enriqueceram bastante.
Sorri, voltei ao meu livro.
-Se me permite, o que estás a ler?
Mostrei a capa.
-Vladimir é o primeiro nome de Lenine, sabias? Vladimir....
-Ilyitch - respondi.
-Isso! Já segui esses ideais, embora neste momento esteja um pouco afastado... - Sorriso constrangido, e voltei ao livro. - Ah, mas estás a ler em inglês! É bom, ser bilingual...
-Sim, nasci no Canadá - menti, e disse que vim há pouco tempo para vir para a Universidade aqui.
-Canadá deve ser outro mundo, não? Ouvi dizer que até há uma cidade subterrânea.
-Sim! Venho de lá, chama-se Montreal.
Todo o caminho até Ermesinde a discutir o socialismo, política externa americana. Sempre a dizer que era bonita e inteligente. Perguntou duas vezes se tinha namorado.
Deu-me um beijinho na testa de despedida.
O livro que eu estava a ler era o "Lolita".

Via-o várias vezes no comboio, mas sempre o tentei evitar, baixando a cabeça para um livro ou olhando incessantemente pela janela, o que quando ele finalmente me conseguia "apanhar" e me cumprimentar, fazia-o dizer que eu pareço sempre triste. Fazia-me festas na bochecha, dizia que era tão linda (pudera, com a idade dele tudo que não pareça u)ma noz com mamas até aos joelhos é linda). Que sabia tanto, tanto para a minha idade e que adorava conversar comigo. Desejava nesses momentos estar no percentil 10 da cultura, pensar que um cocktail molotov é um bolo e que Pinochet é cerveja com 7up. Queria-me sempre levar a sitios, ao Palácio de Cristal e ao café, mas eu bem inventava desculpas, ou nem as inventava, estou sempre com pressa.
Um dia, disse honestamente que tinha de ir à Fnac buscar um rolo que deixei lá a revelar. Lixou-me o gajo.
-Olha, é a caminho do Majestic, pago-te o pequeno-almoço. E se quiseres um livrito...
A minha mente foi toldada pelos meus vícios, livros e cafeína. Já de negativos na carteira, sentamo-nos, eu por cima duma meia de leite enorme, ele com um cafézinho e o JN. Falou-me que esteve para se separar várias vezes da mulher (PORQUE SERÁ, HM?), e mais uma vez, perguntou-me se tinha namorado. Menti, disse que sim. Falou-me das "diferenças intrinsecas entre as raparigas e os rapazes na descoberta da sexualidade" (bullshit, eu não "dou sexo para receber amor", desculpe lá). Pagou a conta. Abraçou-me. Deu-me um beijo na testa. E no nariz. E no queixo. Tentei fugir, mas o raio do homem era forte. E outro no meu olho esquerdo. O meu coração parou. Quando era mais nova, pensava para mim que saberia quem era o homem da minha vida quando me dessem um beijo no meu olho esquerdo, ceguinho, estrábico, pequenino e pouco-amado por todos. Isto não podia ser. Deu-me um repuxo de adrenalina dentro de mim, afastei-o de mim e disse que tinha de ir à minha vida.
Não o vi durante meses. Até que um dia se sentou à minha frente numa época de exames qualquer, e me perguntou:
-Diz-me sinceramente o que pensas de mim.
Crescemos com o "respeita os mais velhos". Mandá-lo à merda seria como fazê-lo ao meu avô, quase. Mas tinha que ser.
- Acho que é um senhor bastante chatinho, sabe.
Sorriu, e disse:
- Então, boa sorte, e nao te volto a chatear.
Hoje, no comboio, com a enchente de pessoas em Ermesinde, tirei a minha mochila do assento ao lado para alguem se poder sentar. Ele ia-se a sentar, trocamos olhares, mas continuou a procurar lugar. Ainda bem. Já não tenho idade para ser Lolita.

7 comments:

  1. Já me aconteceu uma coisa parecida: estava num jardim a relaxar ao sol quando um tipo se aproxima de mim e começa a ter demasiadas confianças. Eu disse que tinha que ir à casa de banho, ele também. Assim que ele entrou na casa de banho eu desatei a fugir a sete pés. Nunca mais fui àquele jardim. Enfim, há homens assim...

    ReplyDelete
  2. Ui, mas o meu prolongou-se durante ... ora bem, anos!

    ReplyDelete
  3. a tua prima (no, really.)21 November 2010 at 02:04

    dude... ler isto deixou me tao incrivelmente uncomfortable.... i was clenching my buttcheeks all the way 'till the end.

    very cute/weird/awkward story tho :D you're a writer, not a biochemetristhshaoiuhperson

    ReplyDelete
  4. Se te consegui provocar uma emoção, então my work here as a writer is done!
    Aw, thank you. È o melhor elogio que me podem dar. O problema é que escrever não dá dinheiro, nem biochemistshaoiuhperson dá dinheiro, estou screwed either way.

    ReplyDelete
  5. Postaste isto aqui depois da conversa de nós os 4 antes de métodos não foi? Escreves muito bem :)

    ReplyDelete
  6. Pois foi :) Deu-me a comichão de escrever.
    Oh, muito obrigado. Segue o blog e comenta quando quiseres!

    ReplyDelete
  7. Chris, isto até podia ser muito lindo se não fosse verdade!
    Oh, well, é bonito na mesma -.-"
    (escreves bem *.*)

    ReplyDelete