1.8.10

crise de fé

... é o que estou a ter. Fui baptizada aos três meses, andei num colégio católico durante 10 anos (e atenção, não era catolicismo light, era uniformes, professoras freiras e só poder sair quando os pais iam lá buscar no seu Mercedes), frequentei a catequese dois anos (até fazer a Primeira Comunhão, mas depois eu queria muito fazer a Solene porque os meus coleguinhas recebiam todos para cima de 80 contos em prendas). A minha família é uma amálgama de convicções. Há o meu pai, com uma costela judia, educado em seminário, e hoje agnóstico acérrimo; a minha mãe, que pode dizer todo o mal da Igreja, mas eu que diga que não preciso de ter cinco figuras de Nossa Senhora no quarto e acusa-me de ser satânica; o meu avô, que hoje é um Anglicano praticante e a minha avó que parece acreditar mais em bruxas que na Igreja.

O meu avô, quando está cá em Portugal, vê-se obrigado a ir à missa aqui numa comum igreja católica romana. Parece que está numa celebração diferente da de toda a gente: munido do seu missal anglicano, lê o evangelho de acordo com o seu calendário e não ouve a leitura, não toma a hóstia, levanta-se, senta-se e ajoelha-se em alturas diferentes que as dos restantes paroquianos. Não entendo o porquê.

O meu avô é um exemplo extremo, mas vejamos. Portugal tem 85% de católicos¹. Em 2006, 14,5% das mulheres com idades entre 18 e 49 já fizeram uma IVG². 72.4% das mulheres nesta faixa etária está a usar um método contraceptivo³. Não consegui arranjar dados portugueses sobre sexo pré-nupcial fidedignos, mas pelos menos nos EUA, um país ainda mais conservador que o nosso, os dados apontam para 95%4. Tudo actos que o Vaticano condena, o aborto inclusivé sendo pior que a pedofilia5. Nem precisamos de falar disso, se 50% da população é mulher, grande parte destas católica. Se um dia sentissem o chamamento de serem sacerdotes, paciência, que isso é outro pecado6, tudo em nome da tradição. Nem vou falar na organização profundamente misógina que é a Opus Dei. Porém, continuam na Igreja, filhos baptizados e de catecismo na mão.

É como se isto fosse televisão por cabo ou uma apólice de seguros, vem por pacotes com diferentes opções e depois escolhe-se consoante. No pacote Catolicismo Essencial, temos o baptismo e a catequese para os meninos, depois um rico casamento com noiva de branco (cof cof) e muitos, muitos divórcios. Pacote Catolicismo Base: Baptismo, catequese mais as duas comunhões, o casamento da praxe e ir mais ou menos regularmente à missa. Catolicismo Premium: não é para fracos, toca a ter quantos filhos quanto Deus quiser dar (e olha que são muitos), mulheres, parem de usar essas calças de herege e homens, nada de se tocarem nas partes pudendas enquanto pensam na Soraia Chaves (nem digo mulheres, porque as mulheres não se tocam, certo?)

Até já, Igreja Católica Apostólica Romana. Não acho que tenho que sofrer por Eva ter comido uma maçã há montes de anos atrás;  não acho a sexualidade saudável um pecado, daí achar que Maria ser virgem ou não não muda nada na sua Santidade; não quero seguir dogmas feitos há seculos por meia dúzia de senhores celibatários, quero ler a Bíblia e tirar daí as minhas conclusões. Pode ser que um dia saias da época do Imperador Constantino.

"Nisto, não há judeu nem grego; não há servo nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós sois um em Cristo Jesus" Gálatas 3, 28


¹Dados do INE, Censos 2001
²Estudo-Base sobre as Práticas de Aborto em Portugal, Consulmark, 2006
³Estudo-Base sobre as Práticas de Aborto em Portugal, Consulmark, 2006
4 USA Today
5Monsignor Girotti: più facile assolvere un pedofilo pentito che una donna che ha abortito
6 in Publico.pt

6 comments:

  1. um post muito bem escrito que até me levou à saia travada blogspot.

    os meus pais são ateus e eu também. tenho pena de todo o tipo de pessoas religiosas, que acreditam em coisas que nunca viram e numa salvação de onde ninguém voltou para contar.

    detesto os dogmas de uma igreja a que se tornou ponto de honra dizer pertencer, mas cujas regras não se segue senão à superfície, porque na realidade não se acredita nela. é como dizer-se que se acredita em deus mas não no diabo, que isso é crendice.

    sexo é bom de todas as maneiras, e se não se quer ser mãe o aborto está aí para isso.

    se a religião funcionasse para as pessoas serem boas até valeria o dízimo, mas é uma instituição ruinosa e pestilenta que espalha o preconceito e a intolerância.

    vade retro tutta iglesia.

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  2. Fui baptizada e fiz as duas comunhões. A minha família é católica mas muito pouco praticante: ir à igreja só em casamentos e funerais (já há pelo menos 10 anos que não há um baptizado). Eu não me considero ateia, pois um ateu é alguém que não acredita na existência de Deus e eu acredito. Também não acho que seja agnóstica. Quando me perguntam as minhas crenças religiosas eu costumo responder: acredito em Deus, não acredito na religião. A Igreja Católica (e outras religiões por esse mundo fora), parou no tempo, não soube evoluir e toma decisões, no mínimo chocantes. Dou um exemplo: no Brasil, uma menina de 9 anos foi violada e ficou grávida; fez um aborto e a Igreja excomungou os pais e os médicos (só não excomungou a menina porque não se pode excomungar crianças), mas não o homem que a violou! Outro: um casal em Itália não pode casar pela Igreja porque o homem estava numa cadeira de rodas e como tal não podia procriar! Sim porque o casamento é só para ter filhos; o casal até pode não se amar, mas se puderem procriar, força, casem à vontade!

    A Bíblia é um livro importantissimo para a História da civilização ocidental, mas tem que ser lida de acordo com a época e cultura em que foi escrita. A sociedade mudou muito desde então. A Igreja não. E assim vai perdendo fieis. Será surpreendente?

    Excelente post!

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  3. Essa da menina brasileira já tinha ouvido, ainda espumo da boca com isso, agora a do homem em cadeira de rodas não tinha visto... Que horror, esta gente acreditar que o casamento serve para deitar filhos cá para fora (como está, Srª Ferreira Leite?) e não para unir duas pessoas que se amam. Além de que lá por estar na cadeira de rodas, não quer dizer que não possam fazer filhos, a ciência avançou, a Igreja não.

    Por isso, nunca me hei-de casar pela Igreja Católica. Seria hipócrita de mim. Não sei se planeio procriar.

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  4. Apesar de discordar em certos pontos, tiro o chapéu à minha estimada colega de colégio católico da pesada :)

    quanto aos restantes comentários, e em nota de sugestão para futura dissertação, aconselho a que se informem sobre deontologia e ética, e depois releiam algumas partes do que escreveram...

    JF :)

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  5. Esqueceste-te do pacote Catolicismo Extreme (bolas, até parece nome de tarifário de telemóvel): baptismo, comunhão, sacerdócio e repressão de instintos sexuais que levam a atitudes menos próprias com miúdos sub-18 ;)

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