1.8.13

a saia travada e o trabalho precário

Querido diário:

Hoje fui à "formação" para aquele emprego em part-time. Estive das 10 às 15h a andar atrás de uma moça que está lá há um mês, e em todo este tempo fizemos duas actualizacões de serviço (como diz o chefão, "não são vendas"). Quando depois andei com o outro "formador", que coitado, atrapalha-se e eu tive de me meter no meio e salvar a situação, ele deixou-me tratar dessa conta (o chefão depois disse que a comissão não era minha porque ainda estava em formação. ) O chefão e os restantes escravos colegas dizem que se faz em média 50€ por dia, uma vez que cada conta são 5 e fazem por norma 10. O problema, querido diário, é que estes contratos são quase todos feitos depois das 6, que é quando as pessoas estão em casa. Então, porque é que estamos desde as 10 na rua? Porque é que não almoçamos à uma como toda a gente? Porque é que comemos uma "sandocha" (se trouxermos de casa, obrigada chefão por me avisar) às 4 da tarde?
Parece que a rapariga que estava lá há um mês só pára de bater às portas quando as pessoas começam a perguntar que raio de horas são aquelas (lá para as 22h). Ora isto são, vamos a ver, 12h. Metade de uma rotação completa da terra sobre si mesma, vulgo dia. O outro rapaz disse-me muito entusiasmado, que, fazendo 1000€ ao final do mês (5€ x 10 x 20), já dava para o seu apartamentozinho próprio. Esqueci-me foi de lhe perguntar quando é que vai estar a disfrutar da sua casa, dado que está das 9 às 21h a calcorrear as ruelas do Grande Porto.
Quando cheguei a casa, fui ao Pingo Doce e praticamente inalei a minha mista, queijada e café. Até o papel quase que ia. A outra rapariga disse-me com toda a naturalidade que não tomou o pequeno almoço e que normalmente só almoçava às 16h. Não sei como não desmaiou.
Não sei se volto, diário. Não tenho filhos nem casa para pagar; só queria um pé de meia (um dedo, vá), compreendo que quem tenha aceite este tipo de trabalho em desespero. Note-se que nenhum dos meus escravos colegas estava nesta situação. Não sei se volto, porque ao aceitar, estou a aceitar um trabalho injusto; se eu não aceitar, outros aceitam este trabalho de bom grado, e isto continua a ser aceitável e talvez, não sei, legal.
Bem, está visto, tenho de parar de viver acima das minhas possibilidades. Tenho que vender pipocas e empreender e o caraças.

(Dica d'A Saia Travada: quando precisarem de retail therapy depois de um árduo dia de trabalho, ide aos chineses em vez do shopping, a carteira agradece)


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